L’heure de la sortie (2018), de Sébastien Marnier

Assisti a “O Professor Substituto” (2018), e devido à minha inserção como professor universitário não pude deixar de fazer algumas conexões sobre a condição psíquica dos estudantes de medicina, a anomia social de Émile Durkheim e o papel da instituição formadora na ética do cuidado para com o seu corpo discente. Acredito que seja nosso papel tentar compreender esses tempos.

No filme francês, um grupo de seis de uma turma seleta de adolescentes notáveis pelo desempenho escolar dá sinais de que algo vai mal com sua crença em um futuro melhor. Autoflagelação e narcisismo vão culminando em situações limite, observadas pelo olhar do recém-chegado professor Pierre Hoffman. Tudo embasado em constatações imagéticas sobre a crise social e ecológica por que passa o mundo, relegando empregos de baixa qualificação e poluição às novas gerações.

Em 1897, refletindo a sociedade industrial, Durkheim pesquisa as rápidas transformações sociais em que as regras de convivência, normas e valores morais, que garantiam que a sociedade funcionasse não estavam mais fazendo sentido, promovendo o individualismo em detrimento da solidariedade, e a elevação do crime e do suicídio como expressão do esgarçamento desse tecido.

A anomia social foi pensada por Durkheim como temporária, porém com o avanço da sociedade de consumo, tornou-se naturalizada nas suas incertezas e riscos: hoje temos a Uberização do trabalho frente ao apelo midiático de riquezas inatingíveis para a maioria da população, o desejo suscitado na publicidade associada a certa obrigatoriedade de sentir-se satisfeito, o culto ao mérito diante da crise econômica achatando a classe média.

Tamanha vertigem e incerteza certamente atingem mais aos jovens que precisam de regras claras e estabilidade para trilhar sua formação e construir sua identidade profissional. Afinal, como adquirir experiência sem oportunidades?

Nos estudantes de medicina, a possibilidade virtual de plena realização pelo consumo no futuro, via aumento de horas de trabalho semanal, opera como uma moral peculiar onde tudo se justifica para alcançar o mercado de trabalho com as mais altas expectativas. Aqui o corpo pode se tornar um detalhe, algo que atrapalha ao retirar horas de estudo para o sono, concentração em protocolos para o que dá prazer e monotemática para a diversidade típica dos tempos de colégio.

O episódio dos estudantes de medicina de Londrina entrando embriagados no último dia curricular e desrespeitando pacientes do hospital universitário em 2008 pode ter rendido muitos discursos condenatórios, mas pouca autocrítica da sociedade que instiga e lucra com o efeito da anomia na juventude.

Não é necessário um desempenho olímpico para ser um bom profissional. Pelo contrário. O descuido consigo leva a iatrogenias. O horizonte do cartesianismo: ser o próprio espírito (no sentido de mente) não pode acabar bem. Idealização sem lastro no corpo. Que cansa. Que pede água fresca. Por que não há uma resistência a esse lugar extra-humano? Por que acreditamos que os problemas historicamente desenhados devem ser equalizados com mais esforço?

A cena final do filme é um apontamento do diretor: diante da iminente catástrofe social e ecológica, resta aos trabalhadores precarizados serem francos e aliados da juventude sobre a falácia de promessas de uma melhoria das condições de vida na atual organização social.

É papel de todos, professores incluídos, contribuir numa socialização pelo afeto, contato com alteridade e permeabilidade às emoções, num processo de formação, social, político e cultural produtivos. Mais tempo livre, para lazer e uma estética contemplativa sem programação, sem foco, sem planejamentos. Teríamos um ambiente promotor de saúde.

Victor Rocha Santana